Pampulha, Aviação Geral e Índices de Acidentes

Políticos e alguns moradores vizinhos miram na aviação regular, quando na verdade o maior perigo reside nas operações dos pequenos aviões da aviação geral, que são promovidos na Pampulha.

Jatinho particular, matrícula PR-AUR, acidentado em 7 de setembro de 2020, próximo ao suporte de instrumentos de auxílio ao pouso do Aeroporto da Pampulha. Fonte: CENIPA.

A concessão do Aeroporto da Pampulha promovida pelo governo do estado teve como finalidade atender a "demanda por voos privados (particulares)", na figura da aviação executiva, conforme descrito no edital e termo de referência do certame.

Isto é, para o executivo estadual a aviação geral seria a vocação principal para o terminal, ainda que segundo relatório do TCU não existisse verdadeira justificativa técnica nos argumentos para se afirmar que a vocação do Aeroporto da Pampulha seja a aviação geral, em detrimento da aviação regular.

Uma vez realizada a concessão de Pampulha, com a licitação sendo vencida pelo Grupo CCR, esta nova gestora do terminal vem reafirmar que o aeroporto é direcionado para a aviação geral, executiva, charter ou fretamento, conforme matéria publicada em 24 de junho de 2024 pelo jornal Diário do Comércio.

Antes de abordar dados estatísticos, convém trazer a definição do que seja aviação geral e executiva, para melhor compreensão do contexto. Segundo a ANAC, a Aviação Geral corresponde a todas as operações de aviação civil que não configurem transporte aéreo público de passageiros ou carga, ou ainda.

Ainda segundo a ANAC, a Aviação Executiva trata-se do segmento da aviação geral constituído por indivíduos e empresas que utilizam as aeronaves como recurso para a condução de seus negócios. A International Civil Aviation Organisation  (ICAO) define Aviação Geral todas as operações de aviação civil que não sejam serviços aéreos regulares, incluindo, para fins estatísticos, voos comerciais não regulares, serviços aéreos, voos de instrução e de lazer e outros voos.

Numa definição mais clara, segundo a entidade europeia International Council of Aircraft Owner and Pilot Associations (IAOPA), Aviação Geral se refere a quaisquer tipos de aviação, que não sejam voos regulares (de linhas aéreas) ou aeronaves militares. Isto inclui desde pequenos aviões de propriedade particular até modernos jatos executivos, helicópteros, balonismo, voos de treinamento e outras atividades aéreas.

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Uma vez definia as atividades da Aviação Geral, passemos as estatísticas de acidentes aéreos do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), órgão da Força Aérea Brasileira. Com relação ao Aeroporto da Pampulha, quando se fala em acidentes, o que vem à mente são os famigerados "monomotores"e "bimotores", mesmo levando em conta a ocasião em que voos comerciais regulares em aviões maiores operavam por lá.

Na realidade, em toda série histórica dos Relatórios Finais de investigação de acidentes aéreos do CENIPA não há nenhum registre de acidente aéreo ou incidente grave envolvendo aviões comerciais, operantes de linhas aéreas regulares. Isto é, os registros de acidentes alardeados em Pampulha estão todos ligados a operação dos monomotores, bimotores e jatinhos executivos, todos na Aviação Geral, a qual o governo do estado e a gestora privada do aeroporto promovem no aeroporto central de Belo Horizonte.

Conforme sumário estatístico do CENIPA, deste de 2010 até 2019, em todo Brasil, tratando como Aviação Geral os segmentos de voo particular e voo de taxi-aéreo, estes representam 47% de todos os acidentes aéreos, ao passo que acidentes em voos da aviação regular correspondem a apenas 2,35%.



Como se vê, em todo país, as operações de voos comerciais regulares estão entre os mais seguros, enquanto a aviação geral promovida do Aeroporto da Pampulha é de longe a que representa maiores riscos, não só por ser o único segmento a operar ali, mas por ser característico da aviação geral a maior propensão para acidentes aéreos.

No mesmo relatório, relativo à década de 2010, é estarrecedora a colocação do Aeroporto da Pampulha na terceira posição entre os aeroportos com maiores quantidades de ocorrências de acidentes e incidentes ao longo de 10 anos. Ainda que operando escassos voos regulares no período, Pampulha (SBBH) só ficou atrás de Guarulhos (SBGR) e Campo de Marte (SBMT), em São Paulo, no número de ocorrências.

Aeroportos de grande movimentação de voos comerciais regulares, como de Brasília (SBBR), Galeão (SBGL), Congonhas (SBSP), Santos Dumont (SBRJ) e de Curitiba (SBCT), tiveram todos muito menos ocorrências que Pampulha(SBBH).


Como destacado anteriormente, não sendo identificados as ocorrências envolvendo voos comerciais regulares em Pampulha (SBBH), pode-se atribuir essas 100 ocorrências da tabela anterior às operações da aviação geral. Justamente esses voos particulares, táxí-aéreos, jatinhos executivos, que têm sofrem maior ocorrência de acidentes, são os que o governo e a concessionária promovem para o aeroporto e ninguém percebe o risco ou sequer comenta, já que são estes os segmentos que atendem à elite da sociedade de Belo Horizonte, os quais não abrem mão do aeroporto central da cidade para sua exclusiva conveniência.


Índices de acidentes por segmento


Outra análise que pode ser feita é a relação entre o número de acidentes registrados em cada segmento de aviação com o número total de operações desses segmentos no mesmo período, de 2010 até 2019. Assim o CENIPA tem consolidados os seguintes dados de todo território nacional:

590 acidentes (2010-2019)
423 incidentes graves (2010-2019)
2.106 incidentes (2010-2019)

Com respeito ao número de voos (em pares pouso/decolagem) no mesmo período, o Centro de Gerenciamento de Navegação Aérea (CGNA), subordinado diretamente ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), também órgão da Força Aérea Brasileira, tem as seguintes estatísticas:

6.197.352 voos da aviação geral / não regular (2010-2019)
9.074.311 voos da aviação comercial regular (2010-2019)
1.077.526 voos da aviação militar (2010-2019)

Considerandos os percentuais relativos ao total de acidentes no país para a aviação geral (considerados voos particulares e voos de táxi-aéreo) apresentados pelo CENIPA e sua correspondência em relação aos total de 590 voos acidentados de 2010 até 2019, tem-se o seguinte:

Aviação Geral: 47% corresponde a 277 voos acidentados.
Aviação Regular: 2,35% corresponde a 14 voos acidentados.

Fazendo agora a correlação do número de voos acidentados, com o total de voos (pares pouso/decolagem) das estatísticas do Centro de Gerenciamento de Navegação Aérea (CGNA). de 2010 até 2019, obtém-se a seguinte relação:

Aviação Geral: 277 voos acidentados, equivale a 44,7 ppm de 6.197.352 voos.
Aviação Regular: 14 voos acidentados, equivale a 1,5 ppm de 9.074.311 voos.

Como se vê, dos 6.197.352 voos operados na aviação geral, 44,7 partes por milhão se acidentaram, enquanto dos 9.074.311 voos da aviação comercial regular, apenas 1,5 partes por milhão de voos foram acometidos por acidentes. Insto implica que, em relação ao número de voos operados em cada segmento, desde 2010 até 2019, a aviação geral teve relativamente cerca de 30 vezes mais voos acidentados e absolutamente 20 vezes mais acidentes que a aviação regular, em todo país.

Com tudo isso, é possível concluir que a aviação comercial regular é por vezes mais segura em relação às operações da aviação geral, estas que têm sido incentivadas na Pampulha. De resto, mesmo quando havendo operações de voos regulares no terminal e desde a fundação do aeroporto da Pampulha, os noticiários recorrentemente só dão conta dos acidentes envolvendo monomotores e bimotores nos voos particulares em jatinhos, outros pequenos aviões e serviços de táxi-aéreo.


Referências:

ANAC - Agência Nacional de Aviação Civil, ANACpédia.
CENIPA - Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, Sumário Estatístico 2010 - 2019.
______________, Relatórios Finais de Investigação.
COMAER - Comando da Aeronáutica, estatísticas de voos 2010-2019 via Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação.
ICAO - International Civil Aviation Organisation, GLOSSARY.

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